On The Boulevard des Capucines

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sexta-feira, outubro 19, 2007

Uma Raposa Boba no Escurinho da Mostra

"No Escurinho da Mostra" é o blog da revista Carta Capital feito especialmente para a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Assinado pela jornalista Ana Paula Sousa, vale não apenas para uma visita, mas para a leitura diária. Por lá já estão várias notinhas (algumas até fazem referência a este humilde blog e a este humilde blogueiro) e uma entrevista com Hector Babenco.

Salvem em seus bookmarks o endereço abaixo:

http://blog.cartacapital.com.br/index.php?blog=2


Mas no escuro do título não havia uma raposa? E uma raposa boba? Sim. A raposa boba é a rede de televisão Fox, que continua dublando em português SBT - patético de dar dó - todas as suas séries e todos os seus filmes. Desde o anúncio de tal estúpida decisão que não vejo mais o canal. Agora há pouco, notei que a Net Digital está oferecendo aos assinantes a possibilidade de escolha do áudio, original ou dublado. A Fox voltará para a minha lista de preferidos, mas só com o áudio original. Pelo menos para mim, tudo será como antes. Quem não entende o inglês - a língua mais falada na Fox - terá de esperar mais um pouco pelas legendas. Desrespeito pouco é bobagem.


(Trilha Sonora: Sneaker Pimps - Becoming X)

sábado, outubro 13, 2007

Minha Visita ao Set de "Inland Empire"

Por uma dessas coincidências malucas que a vida nos reserva, tive a oportunidade de acompanhar um dia da filmagem da mais recente obra de David Lynch, "Inland Empire". Não lembro direito se foi dias atrás, se está acontecendo agora mesmo em um universo alternativo ou se apenas vislumbrei o futuro, com a estréia ainda distante.

Ao chegar ao set, fui logo apresentado a David Lynch, homem simpático, educado, de voz suave, calma, de fino trato. Ele me levou até seu trailer (onde estava a hoje famosa vaca Mimosa, que vestia uma echarpe rosa e calçava dois pares de botas Gucci, daquelas de fazer as mulheres morrerem de inveja) e me serviu um tira-gosto, de sua coleção de queijos, todos à venda. Deliciosos, mas um tanto diferentes para paladares de primeira viagem. Um dos tipos, criação de Lynch e Mimosa, é amargo, amarra a boca. Foi batizado de "erasermouth".

Conversamos então sobre cinema, entre um queijinho aqui e ali e um copinho de leite ou outro. Falou sem parar sobre filmes que ainda iria ver e conhecia como ninguém, custou a lembrar de filmes que já tinha visto e afirmou confundir a ficção de seus filmes com a realidade de sua vida. Com ar de filósofo, disse que sua vida de ficção é a realidade de seus filmes. Legal.

Confuso e assustado com o avanço cruel do tempo, confessou temer a morte física (acompanha com atenção as pesquisas com células-tronco - segundo ele, é a fonte de sua futura juventude, lá no passado), mas principalmente a morte artística. David Lynch não quer ser esquecido. É por isso que todas as cenas que dirige, de catálogos de moda a longas metragens, trazem a sua marca. Você vê e logo diz "este filme é de David Lynch". Inspirado por David Wark Griffith, pretende imortalizar suas iniciais (DL) em cada fotograma.

A conversa seguia animada quando, de repente, o cineasta foi chamado para comandar as câmeras. Estava tudo pronto. Eu o acompanhei esperando sugar um pouco do gênio de "O Homem Elefante" e "Coração Selvagem" em ação. Que privilégio!

No set, David é apresentado aos três atores que irão trabalhar na última sequência, a ser gravada logo após a próxima. Ele olha, pensa, anda um pouco com a cabeça baixa e as mãos para trás... Diz: "Acho que precisamos de um toque David Lynch aqui. Afinal, quem quer ver três personagens humanos, normais, em um filme de David Lynch?". O produtor aguarda uma resposta, que vem súbita: "Eu tenho umas fantasias de coelho lá em casa...". O produtor - antes tenso - sorri e, entusiasmado, brada em alegria: "Exatamente como em um filme de David Lynch".

Enquanto uma equipe de Alices corria atrás dos coelhos, um novo problema. Atrizes aguardavam orientação do diretor sobre a continuidade de uma cena, não descrita no roteiro. David Lynch vem até mim e pergunta: "Qual era aquela música da Kylie Minogue mesmo, aquela antiga, bem famosa?". Sem entender nada, respondi tímido: "Locomotion?". David sorriu e gritou para as meninas ensaiarem uma coreografia para "Locomotion". Loco, loco.

Os coelhos chegam, prontinhos para o abate, e acompanhandos por Laura Dern. A atriz pergunta a David Lynch qual sua motivação, a razão dos homens em traje de coelho, da dança. O diretor responde: "Laura, minha querida, esse é um problema para os espectadores resolverem. É isso o que eles esperam de um filme de David Lynch, um choque de realidade perdido no tempo, sem razões emocionais, mas também cheio de racionais emoções". Okey. Cheers!

Durante a gravação, Mimosa apareceu e balançou seu sininho, todo fashion. Lynch, educado, pediu desculpas a todos e saiu andando vagarosamente com sua vaquinha por Mulholland Drive, cantarolando "Love Me Tender". Peguei minhas coisas e voltei para casa. Não sem antes roubar uma bituca de cigarro que David Lynch havia fumado e atirado no chão.

"Inland Empire" é um filme de David Lynch. O cineasta, assim como Jean Luc Godard, é uma caricatura de si mesmo, uma sombra do passado. Tudo o que vemos é falso, como a própria pretensão artística do diretor.

Ao ver David Lynch sumir no horizonte com sua vaquinha, e já com a mala nas costas, pronto para retornar ao meu mundinho pacato e previsível, perguntei ao segurança do estúdio para onde eles estavam indo. "Para o brejo", disse ele.


(Trilha Sonora: Vários - VH1: The Big 80's)

3 Horas e 45 Minutos

Parece brincadeira. Mas esse foi o tempo que fiquei na fila para comprar os ingressos para a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. E olha que cheguei cedinho. Eu tenho um carinho enorme pelo evento, que considero dos mais importantes do país e do mundo, sem contar que é um dos marcos do calendário anual paulistano. Mas a coisa está passando dos limites.

O papo de que temos de encarar uma espécie de rito de passagem - galhofa já dita por Leon Cakoff - é tão antigo quanto as primeiras versões do festival, lá no MASP. O mundo mudou. Hoje, é o consumidor quem dita as regras. Ou as pessoas acordam ou esperam ser destronadas. Como gosto de falar, é simples assim.

Você não vai ler nada na imprensa "amiga" sobre os problemas no primeiro dia de venda da Mostra, sobre a fila imensa, sobre o atraso em mais de uma hora na abertura dos guichês, sobre a desorganização, sobre o método arcaico - é risível até -, sobre o sistema de quinta categoria que nunca funciona ou sobre como a coisa ficou feia quando algum funcionário disse em tom de brincadeira que "não seria a mostra sem um problema de sistema".

Bom. Eu acho que seria sim. Seria uma mostra melhor, mais organizada e inteligente. É impressionante como tudo fica pior a cada ano. Os responsáveis por isso só podem ser hamsters viciados na adrenalina do choque. Ou são burros e incompetentes mesmo. O mais triste é a opacidade que cai sobre o brilho da mostra, um trabalho apaixonado, belíssimo, dos mais relevantes. Deprimente.

Falta, apenas, um pouco mais de profissionalismo e respeito a quem faz a mostra, esse pessoalzinho maluco que adora ir ao cinema.


(Trilha Sonora: Milton Nascimento e Lô Borges - Clube da Esquina)

sexta-feira, outubro 12, 2007

Paulo Autran

Perdemos hoje um dos maiores - provavelmente o maior - atores brasileiros de todos os tempos. Paulo Autran morreu aos 85 anos. E olhem só: foram 62 anos dedicados à arte da interpretação, no teatro, no cinema e na televisão. Para relembrar bem pouco de sua obra, três momentos que marcaram minha vida por uma ou outra razão:

Paulo Autran está no terceiro melhor filme brasileiro da história do cinema: "Terra em Transe". Sob o comando de Glauber Rocha, deixou um trabalho magnífico no papel de um afetado Porfírio Diaz, ditador de uma república de bananas, ao lado de Jardel Filho. Brilhante.

No início da década de 90, quando era um dos produtores da equipe de variedades da Rádio Jovem Pan AM, tive o privilégio de ir até o apartamento de Paulo Autran, em São Paulo, nos Jardins, para gravar trechos de poesias de Fernando Pessoa. Inesquecível.

Na época em que a televisão ainda tinha alguma relevância cultural (por menor que fosse), as novelas eram inteligentes, engraçadas e - surpresa! - bem escritas. E - quem diria! - eram protagonizadas por atores de verdade! Abaixo, a cena clássica, antológica, de "Guerra dos Sexos", com o duelo de Paulo Autran e Fernanda Montenegro.

Reparem na classe, na elegância, no charme.

Tchau, Paulo!

domingo, outubro 07, 2007

Eu Compro!

A Mostra Internacional de Cinema de São Paulo está de volta, exatamente um ano após a criação deste singelo blog. A 31ª edição, que vai ter seus ingressos vendidos a partir do próximo sábado, começa no dia 19 de outubro. Duas semanas inteirinhas dedicadas ao cinema. E eu estarei de férias! Oba! :)

Antes de falar sobre os filmes, gostaria de destacar o cartaz, assinado agora por Hector Babenco. Ele rompe com um padrão de anos e mais anos e faz uma foto (ao lado), onde é um homem comum, um cineasta, um personagem, um daqueles homens-sanduíche que compram ouro. Quantas vezes na história da sétima arte, grandes diretores tiveram de fazer coisas parecidas para levar suas idéias às telas?

A pegada deste breve texto é meio brega. Mas o que podemos fazer, não é? Hector Babenco passou toda a sua carreira fazendo o inverso de seu reflexo. Ele passou toda a sua carreira distribuindo ouro, ou vendendo por preços bem competitivos. Eu comprei, compro e vou continuar comprando. Depois de Glauber Rocha, Hector Babenco é o melhor cineasta brasileiro de todos os tempos, sem muito espaço para discussão. Sua obra é um primor.

No dia 25 de novembro do ano passado, escrevi uma nota simples sobre Werner Herzog, afirmando que "seu cinema trata de dois temas principais: o homem privado do convívio normal com a sociedade e a obsessão e suas conseqüências". O cinema de Babenco tem as mesmas características, mas com algumas diferenças. Herzog parte de estímulos externos - impostos pela 'sociedade' - para tratar da capacidade humana de reagir, seja lá de que maneira, da introspecção ("Stroszek") ao martírio ("Fitzcarraldo"). Babenco também parte de estímulos externos - sem imposição -, e voltados para o interior, para dentro do indivíduo. São expressões mais "solitárias", de "O Beijo da Mulher Aranha" a "Ironweed".

Talvez seja por isso que seus filmes têm um impacto tão profundo e tão duradouro. Ao tratar de questões inerentes ao homem, algumas escondidas em nosso inconsciente e outras renegadas no consciente, Babenco revela a formação do humano.

E Viva Babenco!


(Trilha Sonora: Emma Pollock - Watch The Fireworks)

A Verdadeira Tropa de Elite

Sim. A escolha de "O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias" para representar o Brasil na disputa por uma das vagas ao Oscar de Melhor Filme de Língua Estrangeira ainda gera um vagalhão de críticas - absurdas e injustas - aos jurados selecionados pela Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura. A decisão final, mais uma vez, foi correta, indiscutível, inquestionável. A reação pela exclusão de "Tropa de Elite" é que foi - e continua sendo -, no mínimo, estranha. No mínimo. Porque foi bem mais que estranha. Foi o resultado de uma coação voraz, porém discreta, feita nos bastidores por capangas de um grupinho internacional. A truculência prejudicou a discrição, que será enterrada agora, fato a fato.

Terça-feira, dia 02 de outubro. No fim da noite, pouco antes das doze badaladas, os jurados finalmente recebem o DVD (original) com "Tropa de Elite". Foi o último a ser entregue, obrigando uma sessão maldita, que varou a madrugada.

Quarta-feira, dia 03 de outubro. Antes de sair do hotel, no Rio de Janeiro, por volta das oito horas da manhã, o cineasta Hector Babenco - um dos jurados - atende uma ligação em seu telefone celular. Uma ligação de Eduardo Costantini. Para quem não sabe, Costantini é um jovem milionário argentino e que, por acaso, é sócio dos irmãos Bob e Harvey Weinstein, distribuidores internacionais de "Tropa de Elite". Obviamente, não desejou bom dia e nem perguntou sobre o tempo. Mas exigiu o voto em seu filhote, de olho, claro, nas verdinhas que podem brotar no futuro. Babenco, íntegro, desconversou.

Os jurados são reunidos às 10 horas da manhã. O debate começa cerca de 15 minutos depois, e para ser logo interrompido. Um boato plantado na redação do jornal "Folha de São Paulo", e que voou até o Rio de Janeiro em velocidade espantosa, dizia que se "Tropa de Elite" não fosse escolhido como candidato do Brasil ao Oscar, os produtores entrariam na justiça com um pedido de impugnação. Tudo por causa de um suposto comentário público de Rubens Ewald Filho (também jurado) sobre o filme, o que era visto como uma antecipação de sua decisão. Rubens Ewald Filho, confrontado, afirmou que nunca havia falado nada. E não havia mesmo. Era a segunda parte da intimidação.

O resultado saiu uma hora depois. Entre todos os inscritos, apenas três produções tiveram uma rodada mais séria de argumentação: "O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias", "Tropa de Elite" e "O Céu de Suely". O último foi defendido pelos jurados Ana Paula Sousa e Leon Cakoff. O primeiro, pelos demais. O do meio, por ninguém. "Tropa de Elite", como cinema, simplesmente não resiste a análises mais cuidadosas. Diante das razões colocadas à mesa, a decisão foi unânime. E aí é que a verdadeira tropa de elite apareceu, e com suas manguinhas de fora.

O trio formado pelos irmãos Weinstein e pelo hermano Costantini já havia manipulado a imprensa carioca, plantado boatos na paulista e coagido jurados. Eles gostaram mesmo da brincadeira de BOPE. Aos três faltaram apenas as fardas com a "faca na caveira". E não é que deu certo? A imprensa covarde e despreparada chegou à coletiva com as armas na mão, pronta para disparar. A primeira pergunta: "por que vocês não escolheram 'Tropa de Elite'?". Não era uma pergunta. Era cobrança. Era o encerramento de uma ampla campanha de constrangimento.

Para os jurados, parabéns pela escolha.

Para "O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias", boa sorte.

Para a imprensa, uma só palavra: vergonha.

Para a verdadeira tropa de elite, lobby não é coação.


(Trilha Sonora: Beth Orton - Pass In Time: The Definitive Collection)