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sábado, outubro 13, 2007

Minha Visita ao Set de "Inland Empire"

Por uma dessas coincidências malucas que a vida nos reserva, tive a oportunidade de acompanhar um dia da filmagem da mais recente obra de David Lynch, "Inland Empire". Não lembro direito se foi dias atrás, se está acontecendo agora mesmo em um universo alternativo ou se apenas vislumbrei o futuro, com a estréia ainda distante.

Ao chegar ao set, fui logo apresentado a David Lynch, homem simpático, educado, de voz suave, calma, de fino trato. Ele me levou até seu trailer (onde estava a hoje famosa vaca Mimosa, que vestia uma echarpe rosa e calçava dois pares de botas Gucci, daquelas de fazer as mulheres morrerem de inveja) e me serviu um tira-gosto, de sua coleção de queijos, todos à venda. Deliciosos, mas um tanto diferentes para paladares de primeira viagem. Um dos tipos, criação de Lynch e Mimosa, é amargo, amarra a boca. Foi batizado de "erasermouth".

Conversamos então sobre cinema, entre um queijinho aqui e ali e um copinho de leite ou outro. Falou sem parar sobre filmes que ainda iria ver e conhecia como ninguém, custou a lembrar de filmes que já tinha visto e afirmou confundir a ficção de seus filmes com a realidade de sua vida. Com ar de filósofo, disse que sua vida de ficção é a realidade de seus filmes. Legal.

Confuso e assustado com o avanço cruel do tempo, confessou temer a morte física (acompanha com atenção as pesquisas com células-tronco - segundo ele, é a fonte de sua futura juventude, lá no passado), mas principalmente a morte artística. David Lynch não quer ser esquecido. É por isso que todas as cenas que dirige, de catálogos de moda a longas metragens, trazem a sua marca. Você vê e logo diz "este filme é de David Lynch". Inspirado por David Wark Griffith, pretende imortalizar suas iniciais (DL) em cada fotograma.

A conversa seguia animada quando, de repente, o cineasta foi chamado para comandar as câmeras. Estava tudo pronto. Eu o acompanhei esperando sugar um pouco do gênio de "O Homem Elefante" e "Coração Selvagem" em ação. Que privilégio!

No set, David é apresentado aos três atores que irão trabalhar na última sequência, a ser gravada logo após a próxima. Ele olha, pensa, anda um pouco com a cabeça baixa e as mãos para trás... Diz: "Acho que precisamos de um toque David Lynch aqui. Afinal, quem quer ver três personagens humanos, normais, em um filme de David Lynch?". O produtor aguarda uma resposta, que vem súbita: "Eu tenho umas fantasias de coelho lá em casa...". O produtor - antes tenso - sorri e, entusiasmado, brada em alegria: "Exatamente como em um filme de David Lynch".

Enquanto uma equipe de Alices corria atrás dos coelhos, um novo problema. Atrizes aguardavam orientação do diretor sobre a continuidade de uma cena, não descrita no roteiro. David Lynch vem até mim e pergunta: "Qual era aquela música da Kylie Minogue mesmo, aquela antiga, bem famosa?". Sem entender nada, respondi tímido: "Locomotion?". David sorriu e gritou para as meninas ensaiarem uma coreografia para "Locomotion". Loco, loco.

Os coelhos chegam, prontinhos para o abate, e acompanhandos por Laura Dern. A atriz pergunta a David Lynch qual sua motivação, a razão dos homens em traje de coelho, da dança. O diretor responde: "Laura, minha querida, esse é um problema para os espectadores resolverem. É isso o que eles esperam de um filme de David Lynch, um choque de realidade perdido no tempo, sem razões emocionais, mas também cheio de racionais emoções". Okey. Cheers!

Durante a gravação, Mimosa apareceu e balançou seu sininho, todo fashion. Lynch, educado, pediu desculpas a todos e saiu andando vagarosamente com sua vaquinha por Mulholland Drive, cantarolando "Love Me Tender". Peguei minhas coisas e voltei para casa. Não sem antes roubar uma bituca de cigarro que David Lynch havia fumado e atirado no chão.

"Inland Empire" é um filme de David Lynch. O cineasta, assim como Jean Luc Godard, é uma caricatura de si mesmo, uma sombra do passado. Tudo o que vemos é falso, como a própria pretensão artística do diretor.

Ao ver David Lynch sumir no horizonte com sua vaquinha, e já com a mala nas costas, pronto para retornar ao meu mundinho pacato e previsível, perguntei ao segurança do estúdio para onde eles estavam indo. "Para o brejo", disse ele.


(Trilha Sonora: Vários - VH1: The Big 80's)

2 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Programão, hein? As filmagens estão rolando aqui em Sampa mesmo? Você deveria arrumar um freela na produção, já que se mostrou um ótimo assistente para assuntos aleatórios. rs

10:59 AM  
Blogger Unknown said...

hahaha Agora que vi que tudo não passou de um delírio seu.

3:25 PM  

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