Nome:
Local: São Paulo, São Paulo, Brazil

sábado, setembro 22, 2007

Participação Especial 01

Este humilde boulevard é um espaço aberto a todos. Qualquer um pode postar comentários ou enviar textos para a publicação em espaço "nobre". Como incentivo, convidei algumas pessoas para uma participação especial. A primeira é de Maurício Moreira, que nos presenteia com um de seus contos. É meu preferido.


“Escuta aqui, ô, cara...”. E começou a confessar como se se conhecessem, face a face. “Do seu julgamento, não quero a clemência nem esse perdão mendigado, sofrido, meloso como a mão de seus ministros. Decidi: não desperdiço mais uma palavra sequer com o vocabulário que me ensinastes”. Injuriava-o, ali, em sua própria casa. Diante daquelas pessoas que jamais ousaram dirigir-se assim a ele. “Sobre seu falso ideário liberto o meu mais puro e singelo cuspe. Se é venenoso, é porque cultivaste-o assim. Se é ácido e gosmento, não mais iluda-me; sim, esta é uma ameaça, sem sobreaviso: cuidado, muita atenção ao pairar sobre minhas esperanças uma outra vez”. Prosseguia com a fúria de um desiludido. Ao redor, já se percebia o alvoroço indignado, dividido. “Meus joelhos por ti serviram, ô mestre das horas. Um dia estiveram em carne viva, é verdade, mas se hoje calejam é porque me desgarrei dessa máscara que há tempos tentastes me adornar, e nunca – você sempre soube disso – nunca ela se encaixaria em meu rosto”. A verborragia azucrinava as paredes da casa dele. Com o império erguido, não imaginava uma afronta rígida e destemida como aquela ali presente. “Por que isso? Fique tranqüilo, não é a ti que levarei mais essa indagação”. E ria, descomunal, se regozijava do momento mais sincero de sua vida, ali no cara a cara. “O que quero de ti, ora reizinho da barriga farta? O que quero de ti é nada além de restituição. Devolva-me o que eu gastara, durante noites e noites, em lamentações e culpas; quero de volta o prazer rasgado que me roubastes. Não peço mais que alívio; não desejo mais que harmonia. Não apenas não pudestes me oferecê-los, como, insatisfeito, aproveitastes para tachar-me um impositivo ‘meu filho, a virtude é o caminho dos nobres’; à merda com seu panfletarismo ordinário, ô deusinho”. E saiu arrastado do genuflexório, sem se esquecer de depositar o dízimo sagrado do mês.


(Trilha Sonora: Camille - Le Fil)