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segunda-feira, setembro 03, 2007

Veneza e “A Idade da Terra”

Dos festivais de cinema que existem ao redor do mundo, três são importantíssimos: Cannes, Berlim e Veneza. Aqui não há espaço algum para discussão.

Cannes viu muitos dos maiores diretores de todos os tempos, e seus melhores filmes. Recentemente abriu espaço para produções comerciais e virou uma feira de vendas, com o desfile de astros de Hollywood que nada têm a ver com arte e a exibição de produções como “O Código Da Vinci”. A sessão foi recebida com vaias e risos, o que mostra que o evento ainda tem uma certa dignidade.

Berlim está na mesma trilha. Há alguns anos, uma mudança de certa forma brusca na curadoria do festival o levou para mais perto de uma simples plataforma de negócios. Logo no primeiro ano sob o novo comando, o cineasta homenageado foi Paul Verhoeven, que estava lançando “O Homem Sem Sombra”. É desnecessário falar sobre perda de credibilidade, não é?

Veneza parece estar imune à movimentação monetária da indústria cinematográfica. Eu o considero hoje como o festival mais importante do mundo. Este ano o júri foi composto apenas por diretores – quase todos bons diretores (exceção de, quem diria, Paul Verhoeven). O presidente é Zhang Yimou.

O melhor de Veneza 2007, fora da competição oficial, será, sem dúvida, a exibição comemorativa de “A Idade da Terra”, o último trabalho de Glauber Rocha, e o mais polêmico. Em 1980 foi mostrado pela primeira vez lá mesmo, em Veneza. Os críticos odiaram. O público não entendeu nada e não gostou. Os diretores ficaram divididos.

“A Idade da Terra” é o filme mais radical de Glauber Rocha (mais ainda que “Câncer”). É a sua mais ousada tentativa de revolucionar a linguagem cinematográfica, de buscar uma nova gramática. Até hoje, nada remotamente parecido jamais foi visto (nem de Godard). Sem falar muito sobre a linguagem, vale retomar rapidamente a escrita criada por David Wark Griffith e Sergei Eisenstein, aperfeiçoada pouco a pouco ao longo dos anos seguintes.

Sem pensar muito, faz tempo que não temos uma mudança realmente significativa na linguagem dos filmes. Talvez desde o aumento da mobilidade das câmeras, mais leves e, claro, portáteis, na década de 60. Mesmo assim é um fato questionável. O resto é conversa mole dos críticos idiotas que não sabem nada e dizem que “Matrix” e “Sin City” são revolucionários. Tá bom. Voltem para a escola.

“A Idade da Terra” é um filme difícil, para iniciados, estudiosos e amantes do cinema de verdade. É um filme, digamos, acadêmico, um “filme-tese”. E assim, como “filme-tese”, merece ser revisto com os olhos de hoje, livres do julgamento contaminado da época, e discutido e discutido e discutido mais uma vez.

Este deveria ser o papel dos festivais: a troca de idéias e experiências, no meio de um ambiente de alta cultura, para – como dizia Italo Calvino – pensarmos em algumas propostas para o milênio.


(Trilha Sonora: Kasey Chambers - The Captain)