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sexta-feira, agosto 22, 2008

Uma Questão de Perspectiva


O mundo está rápido demais. Tudo bem. Isso vocês já sabem... Mas além da velocidade excessiva, o mundo está fora dos eixos. Só assim mesmo para explicar tanta discrepância, cultural e - em tempos olímpicos - esportiva. Vamos aterrisar. Nas semanas passadas, ouvimos muito falar sobre o Festival de Gramado e sobre aquela papagaiada cinematográfica tupiniquim em Nova Iorque, que já foi tema de conversas nervosas aqui em nosso humilde boulevard...

O 36º Festival de Gramado consagrou o filme 'Nome Próprio', de Murilo Salles. O prêmio de melhor diretor foi para Domingos de Oliveira, por 'Juventude'. Murilo Salles fez 'Faca de Dois Gumes' e 'Todos os Corações do Mundo'. Domingos de Oliveira, 'Todas as Mulheres do Mundo' e 'Feminices'. Aqui no Brasil, eu os classifico como 'reconhecíveis'. Na América Latina, como 'autores dispensáveis'. No mundo, como 'uns nadas'. Como estamos agora falando de Kikitos, sem maiores críticas. Tudo bem. O que não está bem é a lista de homenagens que assolou os palcos de tão simpática cidade: Renato Aragão e Júlio Bressane.

Renato Aragão (aka Didi Mocó) é um mito. Um mito brasileiro, que não ultrapassa fronteiras. Um mito brasileiro que há séculos não brilha mais. Um mito brasileiro que vive de glórias passadas. Um mito brasileiro que construiu sua história na televisão, como protagonista de um dos melhores programas humorísticos de todos os tempos. No Brasil. E que tem história também no cinema brasileiro. Ele é um dos responsáveis por algumas das maiores bilheterias já registradas ao Sul do Equador.

Dos 749 filmes com a assinatura 'Os Trapalhões' e a marca Renato Aragão, quantos prestam? Nenhum. Quantos são legais? Vários, de perder de vista. Quantos são divertidos, ótimos para passar o tempo com risadas inocentes e bolinhos de chuva? Opa! Mais um tantão. Esses filmes são relevantes para a cultura nacional? Não, mas admito que o tema pode ser discutido. São relevantes para o cinema nacional? Não. E aqui não há espaço para debate. E Renato Aragão? É um bom ator? Por vezes é engraçadinho. E olhe lá. Mas ele então dirigiu alguns deles? Talvez nem o carro entre a sua casa e o set. São filmes de arte? Nem a pau, Juvenal! Esse tal de Renato Aragão ainda foi homenageado no Festival de Gramado? Pois é...

O Festival de Gramado tem de celebrar o cinema latino-americano, com ênfase para o cinema brasileiro, para o cinema brasileiro de arte, a expressão real de nossa herança social e cultural. Homenagem a Renato Aragão é uma baita de uma trapalhada, fruto de uma perspectiva torta que temos de nós mesmos. Mas o pior estava por vir em uma noite que teve até blecaute. De luz e de idéias.

Júlio Bressane é um marginal. Diretor de 'Matou a Família e Foi ao Cinema', 'Memórias de um Estrangulador de Loiras', 'O Monstro Caraíba', 'Filme de Amor' e 'Cleópatra'. Ele é uma figurinha inexpressiva na cultura nacional. Fora daqui então... No cinema nacional, ele até conseguiu escrever seu nome nos livros com destaque. Com destaque aqui no Brasil. Lá fora, no mundo civilizado, nunca ninguém ouviu falar do infeliz. vamos ajustar as lentes. Júlio Bressane é um dos responsáveis pela decadência do cinema nacional anos atrás. Júlio Bressane era um dos babacas incompetentes do tal do 'Cinema Marginal', um cineminha vagabundo sem ambições artísticas e, pior, afastado do que era o Brasil naquele momento. Um cineminha de pão e circo e olhos bem fechados. Era o cineminha que não queria pensar, que fazia oposição ao 'Cinema Novo' com putaria. Foi a obscenidade deslavada que afundou a percepção do brasileiro em relação ao cinema produzido por aqui. Foi o bundalelê nas telas que manchou os olhos dos brasileiros. Para alguns, de forma indelével. "Cinema brasileiro não presta" virou mantra na boca de muita gente que só via o cinema nacional na "Sala Especial", e com as calças arriadas. E dá-lhe Bressane! E ele ainda falou que a homenagem tinha gosto azedo. Concordo plenamente.

Vocês já perceberam que eu falei demais. É a raiva. E ainda nem comentei nada do festival de cinema brasileiro de Nova Iorque. Minha opinião é clara: desperdício de dinheiro público. Não quero um centavo meu usado para a divulgação equivocada de filmes como 'O Guerreiro Didi e a Ninja Lili'. Muito menos de Bressanes ou Nevilles. É tudo uma questão de perspectiva. Nem tudo o que é bom, legal e divertido por aqui é bom, legal e divertido em Nova Iorque ou em Pequim. Está mais do que na hora de enterrarmos nosso complexo de vira-lata, nossa vontade desmedida de querer ser, de querer pertencer, de forçar a barra para criar factóides do tipo 'Gramado homenageia Renato Aragão e Júlio Bressane'.

Wim Wenders, em visita ao Brasil, disse que o cinema atual carece de um senso de 'pertencimento local', de 'culturas regionais'. Afirmou também que conheceu o Brasil por meio dos filmes de Glauber Rocha. E como já disse Anton Tchecov, cante a sua aldeia para cantar o mundo. Sem exercer o princípio da homegeneidade, do 'vou fazer igual', do 'vou copiar'. Somos o Brasil e fazemos cinema brasileiro. temos relevância aqui (faltava não ter...) e alguma na América Latina. Eventualmente, no mundo. Pan-americano não é Olimpíada. Rio de Janeiro não é Pequim. Thiago Pereira não é Michael Phelps. Renato Aragão não é Charles Chaplin. Júlio Bressane não é John Ford. E o Brasil é só o Brasil mesmo. E olhe lá...

É tudo uma questão de perspectiva.

(Trilha Sonora: iPod da Carol - Shuffle Songs)

2 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Perfeito, Mário! Certamente nós vemos o Brasil pela mesmo perspectiva. Beijo, Lu

5:41 PM  
Blogger Camila Alam said...

Muito bom, Mário! Assino embaixo e te recomendo um maracujina... rs
Bjos!

12:24 AM  

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