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quarta-feira, agosto 01, 2007

Michelangelo Antonioni (1912-2007)

31 de julho de 2007. Poucas horas depois da morte de Ingmar Bergman, talvez por não suportar a solidão artística a que seria condenado, partiu Michelangelo Antonioni. Havia dito no texto abaixo que o cinema perdia apenas um grande cineasta, que nós perdíamos muito mais. Agora acho que tudo mudou. Nós perdemos mais, bem mais. Nós perdemos dois grandes diretores e, levada por eles, a arte do cinema. Perdemos tudo. E em dois dias, sem tempo para despedidas ou lamentos.

O cinema morreu ontem, dia 31 de julho de 2007, aos 111 anos.

Em um século e onze anos oficiais de vida, o cinema fez muito por todos. Homens como David Wark Griffith, Sergei Eisenstein, Jean Renoir, Fritz Lang, Alfred Hitchcock, John Ford, Billy Wilder, Howard Hawks, John Huston, Andrei Tarkovski, Roberto Rosselini, Akira Kurosawa, Orson Welles, Luis Buñuel, Charles Chaplin, Rainer Werner Fassbinder, Stanley Kubrick, David Lean e Luchino Visconti (e tantos outros) fizeram do cinema a expressão artística mais relevante da humanidade, e por sua qualidade intrínseca, pela mágica de seu movimento. Foram os mestres de gerações e mais gerações. Estes mestres, aos poucos, foram indo embora, deixando apenas seus legados, que renasciam em discípulos aqui e ali. Mas agora tudo chega ao fim. Dos mestres resta apenas a lembrança, que vai ser dissipada pela ausência de novos seguidores.

A linha foi quebrada.

Quem pode hoje ser chamado de mestre? Jean-Luc Godard. E só. Apesar de ser uma caricatura de diretor (já comentei aqui sobre “Filmes de Godard”), sua contribuição ao cinema é inegável. Alguém mais? Bernardo Bertolucci? Pedro Almodóvar? Werner Herzog? Woody Allen? Tsai Ming-Liang? Francis Ford Coppola? Theo Angelopoulos? Martin Scorsese? Alain Resnais? Wim Wenders? Takeshi Kitano? Clint Eastwood? Todos alunos, fazendo muito bem a lição de casa, claro. As principais referências ou são tênues (estudantis) ou não existem mais. E aqui vou pedir a ajuda de Ricardo Homsi, que, no dia em que o cinema morreu, enviou o seguinte e-mail:

“Considerando a sincronicidade das perdas dos dois cineastas, seria legal ver uma reflexão sobre o “fim simbólico” de uma era. Cineastas “eruditos” (inclusa aí uma geração posterior a Antonioni, personificada por Woody Allen e Scorsese) estão perdendo espaço para o apelo visual do CGI, para bons operadores técnicos e para o marketing bilionário? Para que lado a coisa vai? A inexorável marcha da cultura visual sobre a mente abstrata já demarcou o cinema como seu território por excelência? A globalização vai nos permitir encontrar outros observadores-pensadores que se expressem pelo cinema?”

Afinal, quando isso aconteceu? Podemos dizer que o vazio de talento que assola o cinema é culpa da hegemonia econômica americana? Talvez não. Ou talvez não somente. Na época do cinema mudo, por exemplo, os Estados Unidos eram responsáveis por mais de 80% dos filmes. O domínio cultural sempre existiu, porém, em algum momento, deixou de ser saudável para ser perverso. Esta perversidade é que, sem ser notada, foi minando e corroendo as culturas locais como um vírus. O que vemos hoje é um festival de explosões grandiosas, efeitos especiais fantásticos, figuras geradas por computador. E o que acontece com aqueles que gostam de ir ao cinema para reconhecer um vizinho, um amigo ou o pai, para ver na tela um amor perdido, para vivenciar paixões desvairadas, para sentir uma emoção qualquer? Essas pessoas vão ter mesmo é de entrar na pele de um adolescente de 15 anos e imaginar o que aconteceria com o planeta após a invasão de robôs gigantes que se transformam em carros, caminhões, helicópteros e aviões.

Acho que todos temos as respostas para as perguntas do e-mail do Ricardo. Eu vou dar as minhas, ainda sob o impacto das mortes de Bergman e Antonioni, dois de meus cineastas preferidos. Sim. Os cineastas “eruditos” estão fadados à repetição (Allen) e a besteiras como “Os Infiltrados” (Scorsese), que hoje até passa por um grande filme. A coisa vai para um lado essencialmente comercial, com o cinema como mera plataforma de lançamento de produtos para jovens em ebulição hormonal. A mente abstrata será inundada pela ação ininterrupta da glândula hipófise, e mesmo em adultos desprevenidos: um estímulo contínuo à puberdade. A globalização até ajuda, em minha humilde opinião. Mas será que veremos o surgimento de novos mestres?

Não tenho nem mais força nem mais vontade para ter esperanças.

O cinema morreu com Antonioni.


(Silêncio)

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Mário,

Outro lindo texto. E eu acho que essa morte não é só do cinema, é, na verdade, a morte do século XX e todos os seus valores. Agora precisamos aprender a conviver com novos valores, culturais inclusive. E, como diz a minha mãe, esse século XXI não tem graça nenhuma.

Lu

10:27 AM  

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