Nome:
Local: São Paulo, São Paulo, Brazil

quinta-feira, junho 07, 2007

Sei Lá... Mil Coisas...

O verão americano ainda não acabou. Mas a batalha das trilogias já foi travada. Disputaram as bilheterias o Homem-Aranha, os Piratas do Caribe e o Shrek, ingresso a ingresso. Até agora venceu o herói, com 318 milhões de dólares. Em segundo lugar, o ogro verde, com 256 milhões de dólares. Na última posição, enfim, os piratas, com 218 milhões de dólares. E esses números dizem muitas coisas. Vamos ouvir...

Por que, afinal, o cinema americano aposta tanto em continuações, um fenômeno típico e muito característico do modelo de negócios nos Estados Unidos? Porque os filmes custam caro! Porque são investimentos altíssimos, na produção como um todo e também na divulgação. A média de um orçamento, hoje, lá nos EUA, é superior a 100 milhões de dólares. Este valor costuma dobrar com as campanhas publicitárias. Resumindo: levar algo para as telas não sai por menos de uns, digamos, 200 milhões de dólares. Com tanto dinheiro em jogo, é melhor não arriscar e partir para uma fórmula certa, já testada. E vamos nos 2, 3, 4...

Mas por que tanta verba destinada à divulgação? Porque você precisa arrastar as pessoas para o cinema. Só que a coisa não é tão simples assim. Você não tem apenas de arrastar as pessoas. Tem de arrastar rápido! Antes de algum concorrente tomar o seu lugar nas salas de exibição (uma outra guerra particular, por telas), antes de as críticas serem publicadas e lidas com atenção e antes de um possível boca-a-boca negativo. A verba de divulgação joga, sem pudores, todas as fichas no fim de semana de estréia, quando todas essas grandes produções arrecadam seus rios de dinheiro. Na segunda semana, a bilheteria cai pela metade, às vezes mais. E assim vai. Exemplo: “Homem-Aranha 3” abriu com 151 milhões de dólares em 4.252 salas no fim de semana do dia 06 de maio. Saltando no tempo, para 20 de maio, e com 4.324 cinemas, a venda de ingressos despencou para míseros 29 milhões de dólares. Hoje está em 7 milhões de dólares. Sacou?

Por que o cinema americano é assim? Pergunte aos senhores Steven Spielberg e George Lucas. Lá na década de 70 eles eram diretores independentes, lutando para conseguir um espaço qualquer em um mundo de gigantes. E atacaram o ponto fraco da indústria: o mercado jovem, repleto de adolescentes sugestionáveis em crises hormonais. A dupla cavou um espaço no verão, a principal época de férias escolares (como o nosso dezembro), descobriu a venda de produtos relacionados (traquitanas mil, de bonequinhos a camisetas a roupas de cama a imagens em sanduíches e cereais) e mudou o sistema. Spielberg e Lucas viraram os Midas do negócio. Eram eles os mais espertos da sala. E há 30 anos (o filme que abriu a tendência foi “Tubarão”, de 75, seguido por “Guerra nas Estrelas”, de 77) todos seguem a “Cartilha Spielberg/Lucas para Ganhar Dinheiro”.

E onde isso vai parar? Bom. Caindo em um clichê, o monstro do cinema americano vai comer o próprio rabo. Para ter lucro, você vai ter investir cada vez mais. Até chegarmos a um ponto de total inviabilidade. “Piratas do Caribe”, por exemplo, teve um custo estimado de 200 milhões de dólares. Ufa. Então já teve lucro? Não, não... A produção é apenas uma parte de um negócio que envolve outros dois vértices: a distribuição e a exibição. Acreditem. Esse pessoal tem um poder de barganha fortíssimo. Para fazer uma conta bem grosseira, divida o total arrecadado por três. Vamos lá: 218 / 3 = 72. Puxa vida. Falta muito ainda... E agora a estréia já foi. Para piorar, a continha vale também para todas as praças fora dos Estados Unidos.

Não entendi nada... Então eles vão ficar no prejuízo? Não! Porque o cinema hoje não é só o cinema. É o licenciamento de imagem (lembram das traquitanas mil?), é a venda para TVs abertas e fechadas e, claro, a menina dos olhos: o aluguel e a venda de DVDs. Sim! O cinema virou uma plataforma. Você usa apenas para causar aquele “wow” e abrir caminho para outras formas de ganhar dinheiro. Basta criar uma franquia de sucesso, como os piratas, e pronto!

Você não está sendo pessimista demais? Não acho. O cinema sustenta toda essa rede. Qualquer colapso e veremos uma reação em cadeia. Sem contar com a pirataria (seja do Caribe ou não), que ataca uma fonte inequívoca de lucro: outra vez, os DVDs. Bem tranqüila a vida de um CEO de estúdio, hein?

Há algo mais que podemos tirar dos números? Sim. Talvez uma tendência. Desde a trilogia “Senhor dos Anéis” que as continuações arrecadam menos e menos. Os hobbits cresceram nas bilheterias, ano a ano. É um exemplo de trabalho (comercial e até, digamos, artístico) bem feito. A tecno-besteira pós-moderna “Matrix”, ao contrário, perdeu dinheiro ano a ano. É um exemplo do que não deve ser feito. Cenas de alto impacto visual ainda não ganham de uma boa história. O Homem-Aranha, os Piratas e o Shrek (a seqüência e o encerramento) não renderam como o primeiro da série. Esgotamento nervoso.

E você consegue dormir com um barulho desses? Sim. Eu durmo sonhando com a Marilyn Monroe em um filme de Billy Wilder. Isso ninguém nunca vai me tirar. :0)


Puxadinho:

Isabela Boscov, da revista Veja, teve a mesma idéia para a edição 2012: falar sobre o mercado cinematográfico a partir da guerra das trilogias. Partimos, portanto, de um mesmo ponto. Mas chegamos em lugares bem diferentes. Ela diz que "Hollywood finalmente aprendeu a domar a cabala das trilogias". Eu, que os números mostram uma tendência de esgotamento. Belo assunto para um happy hour...

Por falar em números... Você vai reparar que eles não batem. Isabela destaca a bilheteria mundial. Eu, a doméstica, dos Estados Unidos. Um ponto para Isabela, apesar de nossa cordial discórdia: o sucesso da franquia "X-Men". Assim como "O Senhor dos Anéis", é outro exemplo de trabalho bem feito.


(Trilha Sonora: The Dresden Dolls – The Dresden Dolls)