Nome:
Local: São Paulo, São Paulo, Brazil

segunda-feira, julho 30, 2007

Ingmar Bergman (1918-2007)

Carl Theodor Dreyer é um dos grandes gênios do cinema. Sua obra é seminal. Há um pouco dele em qualquer filme, e até hoje. Seu melhor trabalho é “A Paixão de Joana D’Arc”, de 1928, uma ode à busca pela essência humana, pautada aqui pela história da santa francesa. A câmera de Dreyer esteve sempre tão próxima dos rostos da atriz Maria Falconetti (das mais brilhantes interpretações da história) e dos demais atores que algo foi capturado além das faces enrugadas pelo tempo. Os críticos-cineastas da Nouvelle Vague disseram que o diretor havia registrado a alma em película, que o diretor havia transcendido a matéria. Eu concordo. Mas acho que existe algo de ingênuo em buscar a alma dos homens por meio da proximidade física, por meio de um mero jogo de luzes, sombras e lentes.

Ingmar Bergman, que morreu hoje aos 89 anos, foi quem, sem ingenuidade, sem jogos, fez o mais significativo relato audiovisual da alma humana. É uma obra complexa, em capítulos, formada por mais de 60 filmes. Bergman superou Dreyer. Bergman buscou a essência de todos nós em nossas palavras, em nossos olhares, em nossas ações, em nossos sentimentos. Bergman, como uma espécie de Robin Hood, roubou nossas almas para devolvê-las a nós mesmos, reveladas, em uma série de emoções desconhecidas em movimento. E por falar em emoção, chega o momento de um relato pessoal. Como vocês já devem saber, gosto de cinema há tempos, desde pequeno. E esse amor todo nasceu de um filme de Steven Spielberg, visto em um daqueles cinemas de rua, hoje extintos. A partir daquele momento, foram anos e anos de muitas descobertas, nas sempre escuras salas de cinema (ou de casa mesmo). De todas as descobertas, duas são inesquecíveis: “Fanny e Alexander”, de Bergman, e “E La Nave Va”, de Federico Fellini. Lembro de ter alugado os dois quase na mesma época, pouco depois de seus lançamentos oficiais, lá por volta de 1987 ou 1988. Bergman e Fellini me mostraram ali, na tela, o que era, enfim, o cinema. Um cinema que depois aprenderia em “verso e prosa” com François Truffaut e André Bazin. E aí viriam “O Sétimo Selo”, “A Doce Vida”, “Morangos Silvestres”, “8 ½”, “Gritos e Sussurros” e tantas outras obras-primas. Todas assinadas por Bergman ou por Fellini.

Bergman e Fellini até parecem, mas não eram (nem são) assim tão diferentes. Fellini era um palhaço que havia fugido do circo para criar seus mundos de mentira em papel celofane e cartolina. Bergman era um artista perturbado pela própria dúvida da existência, que vivia com os pés no chão sem a esperança tola de criar mundos, mas apenas de fotografá-los, e com a frieza cruel do preto e do branco. O objetivo deles era o mesmo. Os meios para atingir esse fim é que mudavam um pouco. Fellini era alegórico. Bergman, cartesiano. Não foi por acaso que eles chegaram a anunciar que fariam juntos um filme. O bêbado e o equilibrista atrás da mesma câmera.

Não foi o cinema quem perdeu Fellini. Não foi o cinema quem sobreviveu em agonia no talento de Bergman para ir embora, assim, de repente, sem aviso. Fomos nós. O cinema perde um de seus maiores diretores. Perde mais um gênio, para fazer companhia a Dreyer e a Fellini. Nós perdemos muito mais. Nós perdemos o homem que, como poucos, tentou dar algum sentido a tudo o que nos cerca. E que entregou tantas traduções para nós, pobres órfãos mortais. Resta agora tentar compreendê-las.


(Silêncio)

2 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Lindo texto, Mário.

Lu

10:24 AM  
Anonymous Anônimo said...

:~

10:28 AM  

Postar um comentário

<< Home