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quarta-feira, outubro 18, 2006

Ang Lee, “Crash” e a Crítica Brasileira

O texto é velho, mas permanece atual. Foi escrito durante um acesso de raiva que tive logo após ver "Crash", último vencedor do Oscar de Melhor Filme. Como prometido, segue o post sobre a "crítica burra".

A crítica de cinema já foi inteligente. Mais até do que isso, já foi decisiva nas discussões que levaram a evoluções da linguagem. Lembremos Lotte Eisner, teórica por excelência do Expressionismo, André Bazin, que sacramentou as bases do cinema moderno ao lado dos diretores-escritores da Nouvelle Vague, ou mesmo Pauline Kael, a mais importante e ácida crítica nascida nos Estados Unidos, para quem ninguém era intocável. No Brasil, para citar apenas dois nomes, José Lino Grünewald, com toda sua quase impenetrável cultura, e Glauber Rocha, que deixou para trás uma produção intelectual invejável e veemente. Tomemos Glauber. As idéias impressas no papel pularam para as telas em filmes como, por exemplo, “A Idade da Terra”, até hoje incompreendido e subestimado. Não é menos do que uma obra-prima. E serve como nosso ponto de partida. Porque o cinema e sua crítica perderam o rumo. Não há paixão, não há discussões, não há evolução, não há inteligência.

O cinema como um movimento crescente de expressão artística morreu em 1980, com o lançamento de “A Idade da Terra”. Na época, a produção foi recebida como o discurso de um louco. Como tal, Glauber Rocha vociferou e disse que ninguém havia entendido nada. Hoje é fácil ver como estava certo. Atualmente, cineastas como Ang Lee são tomados por gênios e “revolucionários”. Ele começou sua carreira muito bem, com “A Arte de Viver”, de 1992, seguido por dois filmes deliciosos: “O Banquete de Casamento” e “Comer, Beber e Viver”, todos realizados na China. Fez barulho em festivais internacionais e chegou a receber uma indicação ao Oscar. O sucesso permitiu o estabelecimento definitivo nos Estados Unidos, onde morava e estudava desde a década de 70. A partir de então, fez “pérolas” como “Razão e Sensibilidade”, “Tempestade de Gelo”, “O Tigre e o Dragão” e “Hulk”. Uma história de “inigualável” talento, como todos nós podemos notar facilmente.

Sua obra mais recente, “Brokeback Mountain”, acaba de “premiar” o brilhantismo de Ang Lee com o Oscar de Melhor Diretor. Uma aberração que é a prova maior de que o cinema empobreceu. E de que sua crítica é burra. O filme trata do amor que surge arrebatador entre dois cowboys. A câmera sutil do diretor sugere o romance homossexual que está por vir com dois enquadramentos infelizes, em dois momentos distintos, do órgão sexual masculino. Cinemão. Aqui lembro com saudades de “Felizes Juntos”, de Wong Kar Wai, que mostra a mesma relação entre homens sem cair em armadilhas fáceis e de mau gosto. Voltemos à Montanha Brokeback. Depois do tórrido encontro carnal, os cowboys seguem suas vidas. Vemos os dois com suas famílias, no trabalho. Por anos e anos. Nenhuma referência ao caso. Quando, surpresa, descobrimos que sim, eles mantiveram relações secretas apaixonadíssimas por todos esses anos. Como podemos estar unidos à dor de um casal se achamos que foi apenas e tão somente uma aventura equivocada de uma estação? Cinemão.

O prêmio de Melhor Diretor para Ang Lee só foi superado pelo de Melhor Filme para “Crash”, de Paul Haggis, roteirista de “Menina de Ouro” e que, pela primeira vez, esteve atrás das câmeras. O filme é uma farsa, do início ao fim. Um plágio descarado de uma tendência narrativa que passa por Quentin Tarantino e Paul Thomas Anderson. O roteiro circular da trama, que confunde o espectador brincando com o tempo das ações mostradas, vem do belíssimo “Antes da Chuva”, de Milko Manchevski. A história povoada de personagens vem de Tarantino, mas principalmente de Anderson e seu “Magnólia”. “Crash” não é nada mais do que “Magnólia” com uma temática diferente. “Magnólia” tratava dos acidentes emocionais que nos cercam. “Crash”, da intolerância racial. Até o espaço físico é semelhante. “Crash” apenas amplia a noção de “Magnólia”. De uma avenida para a cidade de Los Angeles. E o que vemos a seguir é desprezível.

Não quero nem comentar o roteiro, que é interessante, apesar de forçar toda e qualquer situação na direção de um conflito de raças. O ridículo chega ao ponto máximo durante um diálogo entre um casal. Na cama, eles discutem por causa de uma frase racista. Tudo bem. Mas é um pouco demais. O problema é que os americanos realmente precisam de coisas óbvias para conseguir entender um filme. Principalmente os adultos, que vivem em uma sociedade onde o público-alvo das produções cinematográficas é o adolescente de 13 anos. Estão, portanto, desacostumados com qualquer coisa que ultrapasse a altura dos joelhos. “Magnólia” era genial porque tratava de aflições humanas reais - facilmente reconhecidas (e sofridas) por você ou por mim, unidas por um momento poético de rara beleza, quando todos surgem cantando “Wise Up”, e por uma chuva de sapos. A mesma estrutura aparece em “Crash”. Há o tal momento poético que pretendia ser de rara beleza. A música tema, inclusive, é de uma cantora que tem “fortíssima influência” de Aimee Mann, a autora da trilha de “Magnólia”. A canção de “Crash” é apenas mais uma das partes deste plágio criativo. Desafio qualquer um a ouvir “You Do”, também de “Magnólia”, e não encontrar um caso que deveria estar nos tribunais americanos.

Mas e a chuva de sapos? A seqüência mais comentada de “Magnólia”, mal recebida pelo público que tem medo de ir além da “água no joelho”, está lá em “Crash”. No lugar dos sapos, neve. Tão ou mais improvável, já que estamos em Los Angeles, Califórnia. Como em “Magnólia”, onde, logo no início, é discutida a possibilidade de eventos estranhos, em “Crash”, também na cena inicial, somos confrontados com a idéia de que realmente pode nevar em Los Angeles. Deprimente. É este cinema que enchemos de glórias? Um cinema óbvio, sem uma sutil inteligência, onde tudo deve ser explicado à exaustão? Onde tudo é mesmo o que parece? Onde a falta de técnica passa por estilo? Por que isso acontece? Há vários culpados na promoção deste cinema idiota e que deveria ser banido das telas. E todos eles são críticos, que perderam completamente a noção do que um filme deve ser.

Nada acontece por acaso. Os próprios filmes (e seus diretores, claro) levaram à decadência da crítica. Hoje não temos mais Fellinis, Truffauts, Kurosawas, Tarkovskis. E vivemos em um mundo que aceita esta baixíssima qualidade, destinado a não ir além da projeção. E assistimos e aplaudimos estes filmes. Não é estranho que qualquer produção mais ou menos de um diretor mais ou menos seja recebida calorosamente. É a escassez de obras sérias e de qualidade que nos leva a esse mar de mediocridade. Se a crítica não acordar e não voltar a discutir o cinema com seriedade, apontando tendências, buscando saídas, semeando revoluções, vamos ver a tela grande como plataforma de lançamento para a diversão caseira, para os DVDs.

A crítica de hoje é burra e preguiçosa. Porque vê filmes demais sem o tempo necessário para pensar sobre cada um deles, porque está servindo a interesses financeiros maiores, porque é jovem e inexperiente, porque parece ter caído de pára-quedas em uma profissão que exige conhecimento e amor à arte, porque transformou análise em "guia de fim de semana", porque não estuda cinema, porque não tem idéias, porque não estabelece relações, porque não lê, porque não discute, porque não agride. A crítica hoje é uma peça de promoção, desprezada pelo público em geral, e uma piada para quem gosta de cinema de verdade.

Saudades de Glauber Rocha, que espero esteja olhando por nós...

(Trilha Sonora: Aimee Mann - One More Drifter In The Snow)

5 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Má,

Esse blog de fato é sua cara!
AMEI!!

Passa no meu tb:
www.fotolog.net/kventura

Beijos

9:55 AM  
Anonymous Anônimo said...

rsssss... vai trabalhar Marião!!! hawhawhawhaw

2:10 PM  
Anonymous Anônimo said...

Mário, muito bom o texto. Acho que só descordo sobre o "Tempestade de Gelo", filme do qual eu particularmente gosto. Sobre o "Crash", foi um filme que me incomodou bastante, pelas questões que ele coloca e as respostas que ele sugere para elas. Quer dizer então que um racista fdp de primeira pode ter um bom coração? Que uma pessoa que não se diz racista no fundo é? Sem falar da cena patética da Sandra Bullock abraçando a empregada: "ai, como sou rica e infeliz, não tenho amigos". Me poupe desse raciocínio raso. E, sobre os críticos "de cinema" brasileiros, você está mais do que coberto de razão: eles não são críticos de cinema!!! A maioria é totalmente medíocre, não estudou cinema de verdade. Acha que escrever sobre o filme é o mesmo que escrever uma crítica. Por isso que cada vez leio menos esses caras. Beijos e vida longa ao blog!

4:25 PM  
Blogger Roberta da Purificação said...

Você e Glauber... ;)

6:00 PM  
Blogger Didi said...

Oi Mario! Aqui é a Didi, irma da .pucca!
Meu adorei teu blog!
Amo cinema, e com certeza vou passar muito por aqui agora!
Quando vi vc escrevendo sobre ang lee, tive q comentar! rs
Eu não sou uma conhecedora a fundo de cinema, mas filme asiatico em geral eu aprecio muito, e o ang lee para mim foi um dos melhores diretores, até hulk.
Antes mesmo de ver o tigre e o dragao, eu ja admirava os trabalhos dele por A Arte de Viver, que para mim é um dos melhores filmes do genero drama que eu ja assisti. Comer, beber e viver é maravilhoso! Mas ele me decepcionou com hulk e brokeback mountain. Serio, achei apelativo demais. Não é que o filme seja ruim, mas não mereceu tantas criticas boas a respeito. Como diretor, ele ganharia facil num outro filme, mas nesse? Sei la, nao fez sentido.
Agora tudo qto eh tipo a la tigre e o dragao eu vejo e revejo e milhoes de vezes e choro em todas! ahahahahaha ! eu nao posso ouvir yo yo ma, que eu já me emociono normalmente, mas ele tocando nessa trilha me faz chorar ate o final dos creditos do filme! rs
Achei a historia super fantasiosa, gente voando, lutas muito bem sincronizadas, mas tem uma delicadeza em tratar o tema de aquietamento do coracao, e da arrogancia, onde a personagem principal se acha tao imbativel q nao percebe q a arrogancia dela soh a afasta das pessoas. Eh um filme de luta q acaba retratando mais a luta interior das pessoas, do que a arte marcial em si.
Mas logico, hj em dia nao vamos ver mais um kurosawa, nao tao cedo. Os filmes raramente sao tratados com poesia, com arte, com paixao. Tudo anda muito industrializado, pq eh isso q traz dinheiro.
Crash realmente eh uma copia descarada de magnolia, mas mesmo sendo descarada eu nao achei de todo o mal. Nao chega nem no dedinho do pe de magnolia, outro filme q eu choro qdo eles cantam wise up, rs, inclusive eu fiz questao de comprar essa trilha q eh barbara.
Não sei se hj em dia ta rolando uma falta de criatividade nos cineastas, mas pode ver q qdo surge uma tendencia para filmes, todo mundo comeca a fazer igual. Como alguns anos atras com filmes epicos - alexandre, troia, rei arthur - e acho q a industria fica de olho no q deu certo e tenta copiar para ver se arrecada mais dinheiro. Eh triste!
Bom, to tentando comprar ingresso para ver A promessa no circuito ja q tem o mesmo apelo fotografico de hero, cla das adagas e trata de uma historia de fantasia mas com um apelo emocional.
Aceito sugestoes para os filmes!

Beijocas!

9:27 PM  

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